Somos como agricultores que, em vez de semearem pimentos e cebolas, olham para uma paisagem e plantam significados, histórias, símbolos, desejos. Para além da realidade que nos servem, há uma profundidade imanente, invisível. Quando pegamos num lápis não vemos somente um pedaço de madeira e grafite (apesar de ser a “realidade”), vemos um instrumento para desenhar ou escrever, características que não pertencem ao objeto, mas que lhe são atribuídas. Na verdade, quase não nos apercebemos dos materiais que o compõem: quando vemos o lápis, vemos a sua função e descrevemo-lo segundo esse atributo que lhe confere sentido, razão de ser. Uma cidade também se descreve melhor pelas histórias que a povoam do que pela matéria de que é composta. A sua riqueza e a sua importância devem-se ao contributo dos cidadãos, verdadeiros artistas, são eles que plantam, como se faz com um bocado de madeira e grafite, a possibilidade de algo mais, de uma espécie de transcendência. Tentámos fazer isso mesmo com estes contos e estas imagens: dar à cidade uma nova camada de vida e de interpretação, pegámos no lápis e fizemos com que realizasse o seu ideal.
Este guia nasceu como um gato no dia do lançamento de um dos livros da Prado, a Microenciclopédia, e só depois foi sendo construído, devagarinho, e com o carinho necessário, e em boa companhia, durante os anos seguintes, como acontece aos livros que se querem felinos. Quer acreditem ou não, há mesmo ideias que percorrem várias cabeças ao mesmo tempo numa espécie de osmose que nos faz suspeitar das melhores teorias científicas e filosóficas que nos confirmam como matérias indivisíveis e a ideia de fazer um guia literário e ilustrado que fosse real, mas também imaginário foi uma dessas ideias.
O resto é feito de muitas histórias que respiram fundo durante as próximas páginas e de muitos cúmplices que abraçaram este projeto e o adotaram.
Estes contos acrescentam Lisboa a Lisboa, tornam-na mais densa, com outras vidas e narrativas e a ficção passa a fazer parte da matéria que a compõe, criando novas ruas e artérias, um novo mapa. As ficções aqui publicadas são maneiras de caminharmos pela cidade, por vielas escritas e pintadas, criando outras formas de ver e ler Lisboa. A Rua da Betesga poderá conter todos os rossios que quisermos, porque as ideias, a ficção, não querem saber das leis da Física. E gostaríamos de acreditar na possibilidade de, daqui a uns milhares de anos, se escavarem Lisboa, serem encontrados vestígios destas histórias, daquelas que à custa de uma espécie de teimosia tenham feito o seu caminho até à tangibilidade das pedras, dos edifícios e das ruas, tornando-se mais reais do que as avenidas em que vivemos.
O projeto tomou uma forma mais sólida quando se enredou com a Egeac , o seu parceiro de crime, e os seus magníficos espaços culturais um pouco espalhados por toda a cidade e com os quais temos também histórias, encontros e namoros passados.
A Lisboa de dois escritores temporariamente deslocados da sua cidade tornou-se na Lisboa de 40 autores que invadiram, contaminaram, distorceram e refizeram a cidade à sua medida. A Lisboa das Festas, a Lisboa de um Bairro Alto de um certo jornalismo épico que tende a desaparecer, a Lisboa da Inquisição e dos sucessivos incêndios no Rossio, a Lisboa dos marialvas que apanham, de facto, o 28 para chegar a casa, ou aos braços de mais uma moça, a Lisboa encanada, a Lisboa que se lê nos sermões aos peixes, a Lisboa dos ausentes, a Lisboa dos putos de esquina, a Lisboa da Casa dos Perús, a Lisboa dos avós, da infância, dos doentes, a Lisboa que já não é Lisboa, a Lisboa que só é nossa depois de se ler e de se passear por e com este guia.
Afonso Cruz, Helena Serra, Isabel Garcez, Maria João Lima, Patrícia Portela
À venda nas livrarias de referência de todo o país e também na Casa Fernando Pessoa, Museu Bordalo Pinheiro, Museu do Fado, Museu da Marioneta e Cinema São Jorge (preço 15€)
AUTORES
textos ©
(A)nónimo, Afonso CRUZ, Alice Vieira, Ana Margarida de Carvalho, Bruno Vieira Amaral, Catarina Fonseca, David Machado, Gonçalo M. Tavares, Joana Bértholo, Kalaf Epalanga, Luísa Costa Gomes, Mário Zambujal, Miguel Real, Patrícia Portela, Patrícia Reis, Ricardo Adolfo, Rui Cardoso Martins, Rui Zink, Sandro William Junqueira e Valério Romão
ilustrações ©
Alex Gozblau, Ana Ventura, André Carrilho, André Letria, António Jorge Gonçalves, Bárbara Assis Pacheco, Bernardo Carvalho, Danuta Wojciechowska, Gonçalo Viana, João Fazenda, João Maio Pinto, Madalena Matoso, Maria Imaginário, Maria João Worm, Paulo Galindro, Pedro Lourenço, Rui Sousa, Teresa Lima, Tiago Albuquerque e Yara Kono
coprodução
Associação Cultural PRADO / EGEAC
ideia original
Afonso Cruz e Patrícia Portela
1.ªedição, Junho de 2016
PRADO
edição e produção
Afonso Cruz, Helena Serra, Isabel Garcez, Patrícia Portela
capa e paginação
Maria João Lima
mapa©
Maria Bouza
pré-impressão
Dilazo, Artes Gráficas
impressão e acabamento
Dilazo, Artes Gráficas
depósito legal
410006/16
Isbn – 978-989-20-6669-1
EGEAC
administração
Joana Gomes Cardoso, Lucinda Lopes, Manuel Veiga
produção executiva
Pedro Moreira, Paulo Almeida, Manuela Costa, Mariana Botelho, Paulo Fonseca